Envelhecimento ativo
“Ter uma vida longa gera sentimentos contraditórios”.Por ser um objetivo e uma recusa

Quem não gostaria de chegar aos 100 anos a subir escadas com a agilidade de Manoel de Oliveira, cineasta português no ativo, e falar com a lucidez e o entusiasmo com que fala. A procura da fórmula para a eterna juventude atravessou os tempos e, ainda hoje, é uma busca constante em diversas esferas do saber. Qual o segredo para envelhecer de forma ativa? Será um luxo ou um direito? São muitas as variáveis a ponderar nesta equação onde os genes contam, mas a qualidade de vida e as políticas que a facultam ou obstaculizam, também. No caso, o contributo para dar uma resposta a esta imensa e complexa questão, chega-nos através de um grupo multidisciplinar que aponta alguns caminhos para a mudança. Para envelhecer bem.
Em Portugal, 22 por cento das pessoas com mais de 65 anos está em risco de pobreza. E estes dados não podem ser olhados com indiferença. Unir esforços para alterar esta situação é um dos objetivos do grupo de trabalho “Envelhecimento Ativo”, criado em 2008 e promovido pela EAPN Portugal, que fornece orientações para uma atuação estratégica, capaz de contribuir para o desenvolvimento pleno e digno das pessoas. Aliás, o grupo de trabalho foi chamado a contribuir para o Plano Nacional de Saúde, documento estratégico que visa, em diferentes vertentes, orientar para a promoção da saúde pela prevenção da doença.
Criar espaços para a participação ativa e efetiva das pessoas idosas, promover o envelhecimento ativo, continuar a combater a pobreza, fazendo desta luta uma prioridade política, incentivar a atuação em rede e a solidariedade intergeracional são algumas recomendações deste grupo de trabalho, cujos resultados já se encontram publicados.
Ter uma vida longa gera sentimentos contraditórios, uma vez que se coloca como um objetivo a atingir, ao mesmo tempo que promove uma recusa do envelhecer. Envelhecer com qualidade emerge como o desafio individual e coletivo que se nos coloca
, a reflexão é de Contança Paúl, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, um dos elementos do referido grupo de trabalho.
Implementar políticas promotoras do envelhecimento ativo
Convém lembrar que o envelhecimento ativo foi assumido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelas Nações Unidas, como um objetivo da política social e de saúde para a primeira década do século XXI. Nesse sentido, em 2002, patrocinaram a elaboração das diretrizes organizadoras do conceito e das políticas a implementar nos vários países
, explica Contança Paúl, acrescentando que numa altura em que já se vai fazendo o balanço sobre os progressos obtidos com esta nova abordagem sobre o envelhecimento, é tempo de, entre nós, repensarmos o conceito e as práticas, junto das organizações prestadoras de serviços às pessoas idosas e das entidades responsáveis, aos vários níveis, pela implementação de políticas promotoras do envelhecimento ativo
.
Envelhecer bem, até pelo aumento da esperança de vida, terá de ser uma preocupação das sociedades que têm de acionar mecanismos capazes de respostas eficientes e eficazes. Numa perspetiva de curso de vida, falaremos em primeiro lugar da prevenção em saúde que inclui os hábitos de vida saudável nos quais incluímos a cultura da amizade e da intimidade, na nossa esfera social próxima e da participação social, numa esfera mais alargada. Sem esta atenção ao longo da vida, a probabilidade de haver declínios e perdas e de ficar desprotegido perante elas será seguramente maior e o processo de envelhecimento será menos ativo ou seja, menos bem-sucedido, em termos de vida saudável e de qualidade de vida
, refere aquela professora catedrática de Psicologia, explicando que, com o envelhecer há perdas gravosas mas, há outras que se compensam com certa facilidade, como, por exemplo, a perda de audição.
Ao abordar o envelhecimento ativo pretendíamos refletir e conhecer uma das grandes questões atuais, por um lado, o envelhecimento demográfico e, por outro, as situações de vulnerabilidade da população mais idosa
, explica Sandra Araújo, diretora executiva da EAPN Portugal, acrescentando que a intenção passa, também, por apresentar novas propostas e contribuir para o reforço de políticas e medidas na luta contra a pobreza e a exclusão social
.
Eclético, o grupo contou com a colaboração de trinta profissionais de diferentes áreas que enriqueceram e estimularam o debate sobre o tema. Mas, muito importante, estiveram também as próprias pessoas alvo do grupo de trabalho: os idosos.
Foi um trabalho muito estimulante, com todos aqueles que, no terreno, trabalham diretamente com pessoas idosas, e, ainda, com os investigadores que estudam o fenómeno do envelhecimento e do desenvolvimento humano
(Sandra Araújo)
Criar condições para que a mudança aconteça.
Independência, participação, cuidados, realização pessoal e dignidade, são princípios fundamentais de promoção dos direitos humanos e de expressão de cidadania e bem-estar que temos o dever de exigir para todas as pessoas que vivem em situação de pobreza.
Neste sentido o trabalho desenvolvido por este grupo constitui um alerta para as situações do quotidiano que são um entrave ao bem-estar das pessoas idosas. Mas, mais do que um alerta, os investigadores apresentam propostas de mudança.
O caminho para a mudança não é fácil de se percorrer, mas temos o dever de criar condições para que esta mudança se faça e seja assumida como um compromisso efetivo a cumprir. É para isso que serve este documento, para operacionalizar mudanças
, remata Sandra Araújo.
MV
Como lidar com o envelhecimento
As diferenças interindividuais são enormes, ou seja, há trajetórias de vida muito mais penalizadoras do ponto de vista da capacidade de autonomia e independência do que outras, mesmo considerando o que se passa em idades muito avançadas. A estratégia optimizadora corresponde à capacidade de lidar com os declínios associados à idade, de forma realista e positiva.
Com esses dois conceitos em mente, adotamos a visão de Lazarus (2006), que faz uma análise sobre como lidar com o envelhecimento, baseando-se nas teorias de coping que ele mesmo desenvolveu. Segundo o autor, a boa vida caracteriza-se em primeiro lugar por ter um sentido para a vida; em segundo lugar por ter ligações fortes com os outros e, em terceiro lugar, por ter um sentimento positivo sobre si próprio. Assim, os princípios sobre o envelhecimento bem-sucedido são:
- ser claro sobre as realidades da situação de cada um;
- aceitar essas realidades e encará-las o melhor possível;
- ser capaz de lidar eficazmente com essas realidades;
- ser capaz de compensar as perdas e deficiências;
- estar ativamente envolvido na prossecução de objetivos;
- ter sabedoria seletiva sobre as coisas em que se envolve;
- manter laços fortes com os outros;
- manter uma autoavaliação positiva sobre si próprio, não obstante as perdas e as deficiências.
- Esta perspetiva alerta para a prova da realidade que deve ser feita de forma concreta sobre a condição individual e a partir daí construir estratégias positivas de lidar com eventuais declínios associados à idade, sejam elas estratégias instrumentais que visam a compensação de perdas, sejam estratégias afetivas que têm como objetivo potenciar as relações sociais significativas que amortecem o efeito das perdas na própria pessoa. Constança Paúl
A reter:
Política
- Política Transversal de Envelhecimento
- Monitorização e Avaliação, quantitativa e qualitativa, das medidas. A produção de conhecimento em torno do contínuo envelhecimento demográfico e da situação social das pessoas idosas
- Como é percebido o envelhecimento em Portugal? Que tipo de informações e recursos existem para conhecer o fenómeno? O que falta e que tipo de investimentos devem ser feitos?
Instituições e Recursos Existentes
- Política de Qualidade das respostas sociais
- Trabalho em rede
- Flexibilização e Inovação dos serviços existentes de apoio às pessoas idosas
- Ativar a Participação das pessoas idosas e criar espaço ao seu exercício
- Empreendedorismo Sénior
- Cidades Amigas dos Idosos
Formação/Informação/Sensibilização
- Formação específica dirigida aos profissionais do sector
- Valorização e reconhecimento profissional
- Suporte, Formação e Informação aos cuidadores informais
- Complementaridade entre serviços formais e informais no apoio às pessoas idosas
- Sensibilização da Sociedade em geral para as questões da idade e das necessidades das pessoas idosas
- Solidariedade intergeracional
Lobby e produção de conhecimento
- Plataforma/Observatório do Envelhecimento Ativo
- Conselho Consultivo das pessoas idosas
- Auscultação e Participação das pessoas idosas
- Guia do Envelhecimento Ativo
Recomendações:
- Prioridade política do Envelhecimento Ativo nas suas várias dimensões (social, saúde, trabalho, habitação, cultura e lazer)
- Prioridade política no combate à pobreza e à exclusão social das pessoas idosas
- Reconhecimento da heterogeneidade das pessoas idosas mobilizando medidas específicas para os grupos mais vulneráveis dentro da população idosa: mulheres, imigrantes, pessoas idosas pobres, pessoas idosas com problemas de saúde graves incluindo os do foro da saúde mental, alcoolismo, VIH, entre outras
- Monitorização e Avaliação efetiva das políticas e medidas existentes Disseminação e Reprodução das Boas Práticas
- Participação ativa das pessoas idosas
- Cooperação interinstitucional ; trabalho em rede
- Intercâmbio de experiências (nacional e internacional) e incentivos à divulgação e implementação de experiências inovadoras
- Incentivos à solidariedade intergeracional